segunda-feira, julho 14, 2008

Crescei e multiplicai-vos?

Quando Ronald Reagan visitou a China em 1984, criticou a política de planejamento familiar. Deng Xiaoping explicou que o crescimento demográfico tornara-se um grande problema. Se o governo dos EUA estivesse disposto a receber os 25 milhões que nasciam a cada ano, interromperia o programa de controle da natalidade. Ronald compreendeu Deng – e não se falou mais no assunto.

Há algum tempo, uma menor foi estuprada numa cidade do interior do Brasil. O aborto, neste caso legal, não aconteceu. O padre convenceu médico, polícia, Justiça e família pobre de que a gravidez não deveria ser interrompida. Uma adolescente não vai ao posto de saúde ou à farmácia de sua cidade porque todo mundo se conhece. A desinformação e a pressão social dos conservadores e reacionários contribuem para que os anticonceptivos não sejam acessíveis e, por conseqüência, se multiplique a gravidez indesejada. Como em toda sociedade hipócrita, as camadas pobres são as que mais sofrem com a lei de criminalização. As classes mais abastadas, se não quiserem se internar em uma clínica particular, podem viajar a Portugal, onde o aborto foi legalizado. No Brasil, são realizados um milhão de abortos ilegais por ano e, destes, 250 mil internações por complicações decorrentes.

Recentemente, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (majoritariamente masculina) rejeitou o projeto que legaliza o aborto. No fim da votação, mulheres que se encontravam no plenário colocaram uma fita roxa na boca, em sinal de protesto. Se homem ficasse grávido, com certeza o direito de decidir estaria nas escrituras sagradas. Aliás, nenhuma mulher escreveu nada em nenhum livro sagrado. Brinquedo criado de uma costela, (...)“A mulher deve guardar silêncio com toda a submissão. Não permito à mulher ensinar ou ter autoridade sobre um homem. Que ela se mantenha em silêncio. Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi o seduzido, mas a mulher que, seduzida, caiu na transgressão” (1Timóteo 2.11-14). Durante milênios na sociedade patriarcal machista se construiu a idéia da justiça dos homens, quando o correto seria a justiça dos homens e das mulheres. “As mulheres fiquem caladas nas assembléias; elas não devem falar, mas viver submissas, como diz a Lei.”(1Coríntios 14.34)

José Genoíno votou a favor da proposta que descriminaliza o aborto. “Eu respeito as religiões, as crenças, mas não há como tratar uma questão como essa na base de uma religião (…). Em sociedades democráticas, não é papel do Estado fomentar doutrinas religiosas.”

Se supostamente João Paulo II (inimigo da camisinha, como Bento XVI) e Deng Xiaoping se encontrassem no céu (impossível!) e João Paulo criticasse a política de planejamento familiar, que diria Deng? Exercício de imaginação: ele falaria que não há problema, vai mandar os 25 milhões de chineses que nascerem a cada ano para morar, comer e vestir no Vaticano. João Paulo II compreenderia a política Chinesa de planejamento familiar e quem sabe… até dava sua bênção.